(Publicado originalmente em 16 de agosto de 2017 no Linkedin: https://www.linkedin.com/pulse/embrulhe-seu-talento-em-forma-de-produto-mauricio-micheletti/)
João, o caseiro. Antes de começar, quero contar a história do João, um senhor que trabalhou muitos anos como caseiro da chácara da minha família. Como todo caseiro, ele vivia na casa cedida por nós, e não pagava água ou luz. Além disso, recebia um salário em troca de manter a piscina limpa e a chácara arrumada.
Já tivemos outros caseiros, e a maioria deles complementava a renda com a produção de uma horta, que também era cedida a eles. O João não se importava com a horta, fazia apenas uma pequeníssima produção para consumo próprio. Mas ele comprou um carro. Nós pensamos a mesma coisa que você quando ele comprou o carro: tá ferrado. Esse Monza meio caindo aos pedaços vai só dar prejuízo. Não foi o que aconteceu, porém. O João começou a dar carona para os vizinhos irem com ele ao centro da cidade para fazer compras e cobrava uma pequena ajuda de custo. Um Uber Rural, digamos assim.
A vizinhança foi virando cliente assídua do João, que rapidamente comprou um carro mais novo - se bem me lembro, um Siena. Com o salário e a renda do "Uber Rural", João comprou um pequeno terreno próximo da chácara, desses que provavelmente nem a prefeitura sabe onde está a documentação. Aos finais de semana, quando não estava dirigindo para os vizinhos, ele ia até o terreno assentar os tijolos do que seria uma casinha de dois cômodos. Quando a casa ficou pronta, vários meses depois, nós achamos que ele ia pedir a conta. Nada disso! Ele permaneceu morando na chácara, ganhando como caseiro, aumentando a renda com o carro e ainda por cima alugou a casinha de dois cômodos! Obviamente a segunda casinha foi construída rapidamente, virou mais um aluguel. A terceira casa, ele fez pra si mesmo e finalmente pediu a conta. Foi viver de renda, do trabalho como motorista e, se eu conheço bem o João, deve estar fazendo mais algumas coisas pra complementar a renda.
Eu sempre conversava com o João nas minhas idas para a chácara. Era um homem simples, mas inteligente. Olhos vivos, risonho. O sonho dele era ser professor, por isso gostava tanto de conversar comigo. Não sei mais por onde ele anda, mas o admiro por ter sabido se virar com o que tinha, sem esperar nada de ninguém.
Procurar emprego também é vender. Contei essa história porque acho que tem muito espaço para mais "Joãos" no Brasil. E queria te convidar a fazer uma reflexão se não seria esse o seu - e o meu - caso. Antes de mais nada, queria chegar num consenso com você que está me lendo: uma pessoa que está procurando emprego está, na verdade, fazendo uma venda. Faz sentido? Se você manda seu currículo, é a mesma coisa que uma montadora que manda o folder de um automóvel. O folder tem que ser atraente, despertar interesse e "vender o peixe"; mas só uma pequeníssima porcentagem das pessoas que recebem o folder estão pensando em comprar um carro naquele momento, e são ainda menos os que vão comprar exatamente aquele carro, pois geralmente há muitas opções no mercado. O processo de vendas é o mesmo: faço o melhor folder possível, sabendo que só despertará interesse num número baixíssimo de interessados.
Você é o melhor vendedor possível do que tem para oferecer? Sua resposta deveria ser "sim". Mas sei que em muitos casos as pessoas responderão "não" a esta pergunta. Já ouvi muita gente dizendo "não sei me vender". O problema é que geralmente essas pessoas enchem o peito pra dizer isso, quase com orgulho. Como se "vender-se" fosse feio. Deixa eu te falar uma coisa: você não se arruma pra sair de casa? Não corta o cabelo? Não faz a barba (ou a modela, como é a moda de hoje)? Não pinta as unhas? Então, senhora ou senhor, você se vende sim. Só não quer admitir. Saia dessa armadilha mental do "não-vender-se" já. Ou corra dar uma turbinada na sua autoestima urgente.
Se essa história toda do "vender-se" faz algum sentido pra você, deixa eu propor uma alternativa para o seu "produto".
Qual é o seu produto? Ao invés de vender seu pacote completo de competências em troca de um salário mensal, que tal vender apenas alguns talentos específicos? Pensa comigo: deve ter alguma coisa específica que você faz melhor que a média, certo? Aquela coisa que você tem pra oferecer que é fora da curva, que sempre te gerou elogios ou sobrancelhadas de admiração. Pode ser sua capacidade de organização, pode ser sua habilidade de treinar uma equipe, pode ser sua competência pra cuidar de contas à pagar, não importa. Ache essa coisa que você faz melhor que a média.
Achou? Então abre um arquivo no Word e tenta transformar isso num produto. Sem frescura, sem firula. Escreva de um jeito que qualquer pessoa poderia entender, mesmo sem ser especialista na sua área. Alguma coisa do tipo: "Consultoria Financeira: deixe as contas da sua empresa em ordem e organize seu fluxo de caixa com um investimento mensal equivalente à contratação de um estagiário" ou "Técnico de Manutenção sob demanda: sua empresa pode eliminar custos através de manutenção preventiva semanal com horário agendado". Sei lá, pensa aí, o talento é seu.
Depois de fazer esse exercício, determine qual é o valor que você vai cobrar para os seus 3 primeiros clientes. Tem que ser um valor baixo, super competitivo. Cada área é de um jeito, faça as contas. Se um profissional da sua área ganha em torno de R$ 3.000,00/mês, ele custa R$ 5.000,00/mês pra empresa, ou cerca de R$ 230,00 por dia útil. Adicione cerca de 50% neste valor para arcar com seus custos e como "taxa de conveniência" e você terá encontrado quanto cobrar por dia.
Agora faça uma lista de 10 ou 20 pequenas empresas com as quais você tem algum relacionamento. Valem empresas onde seus familiares trabalham, empresas de amigos seus, empresas onde você já trabalhou. Estas serão suas primeiras prospecções. Lembre-se dos seus relacionamentos no Linkedin também! Com essas empresas em mente, faça um site bem bonitinho e simples dizendo o que você faz. Existem muitas opções hoje em dia, uma que eu sugiro é o Wix (https://pt.wix.com/). Faça também cartões de visita e/ou folders pra sua empresa, pode ser online mesmo (dá uma olhada em https://www.printi.com.br/). Você já tá colocando empecilhos, né? Do tipo "mas eu não sei fazer isso". Para com isso, faz o melhor que puder e quando entrar uma graninha você contrata alguém pra te ajudar. Lembre-se que é melhor feito do que perfeito. Já ia me esquecendo. Abre uma empresa tipo MEI (Micro Empreendedor Individual). Isso vai dar segurança pra quem está te contratando de que não vai tomar uma ação trabalhista na cabeça. Você encontra as informações no site do MEI e dá pra fazer o cadastro online (http://www.portaldoempreendedor.gov.br/).
Comece sem estar pronto. Não espere tudo estar pronto pra começar a oferecer o seu serviço para as pessoas mais próximas. Elas confiarão que você está indo atrás de fazer tudo certinho. Além do mais, essa coisa de esperar estar tudo pronto pra depois ir atrás pode ser uma outra armadilha que seu cérebro está armando contra você para manter-se na zona de conforto. Passa a mão no telefone e comece a ligar para os contatos mais próximos. Ofereça seus préstimos, diga que está começando uma nova fase da sua vida. Não reclame de nada nem ninguém, foque no que é positivo. Descole seu primeiro cliente, nem que seja pra trabalhar só pelo valor da locomoção - pelo menos já tem um cliente pra colocar no seu site, certo? E mandar CVs o dia inteiro não deixa de ser trabalhar de graça...
Conquistou o primeiro cliente? Dedique-se! Mostre que seu serviço vale cada centavo. Deixe seu cliente falar bem de você por aí. Peça um depoimento dele pra colocar no seu site. Fique com o radar ligado nas empresas que fazem negócios com seu cliente e ofereça seus serviços a elas com o endosso do seu cliente. Devagarzinho chegarão os próximos. Devagarzinho seu preço irá subir. E você será dono do seu nariz, trabalhando só naquilo que você é bom, sem se desgastar com as coisas que você teria que fazer num emprego normal e que você não sabe fazer tão bem assim.
Sabe aquele esforço que você faz pra conseguir um emprego? Conseguir um cliente é mais ou menos a mesma coisa. Vender seus serviços é igualzinho uma entrevista de emprego. Abordar clientes é bem parecido com mandar seu currículo. Aproveita é dá uma lidinha neste artigo que eu escrevi pra quem busca emprego e que pode servir também pra quem busca clientes: https://www.linkedin.com/pulse/procure-emprego-como-um-headhunter-mauricio-micheletti
Danado João. Lembre-se do João, que trabalhou com a minha família: ele entendeu que o que fazia era prestar um serviço que poderia levá-lo além de ser caseiro. Ele nunca trabalhou pra gente, trabalhou pra si mesmo e nos manteve satisfeitos nesse processo. Danado João, vou tentar encontrá-lo pra mandar este artigo pra ele.
Boa Sorte, Um Abraço!
Maurício Micheletti
Diretor Executivo na Helett Consultoria & Business School
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